Menino desenvolve doença rara de pele após usar remédio e família denuncia negligência: ‘Chorei muito por ver ele assim’, diz mãe

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    Segundo a família, drama começou depois que médico de uma clínica particular receitou alta dosagem de um medicamento para controlar convulsões. O profissional afirmou que “todas as condutas tomadas estão de acordo com a literatura médica sobre as doenças acometidas pelo paciente”. Uma família de Ferraz de Vasconcelos tem vivido um drama desde que Murilo Batista dos Santos, de 9 anos, teve reação alérgica a um medicamento e desenvolveu uma doença rara na pele. A mãe Josimara Batista dos Santos diz que os sintomas começaram depois que o médico de uma clínica particular de Itaquaquecetuba prescreveu um antiepilético em dose maior do que a indicada para a idade do menino. O profissional que receitou o medicamento afirmou ao g1 que “todas as condutas tomadas estão de acordo com a literatura médica sobre as doenças acometidas pelo paciente” (veja nota completa abaixo).
    A história começou em dezembro, mas o garoto ainda sofre diversas consequências. Ele foi diagnosticado com a Síndrome de Stevens-Johnson que, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), é caracterizada pelo descolamento da pele e pode ser fatal (conheça detalhes abaixo). A criança chegou a ficar internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e agora precisa de especialistas para tratar sequelas nos olhos.
    Murilo Batista dos Santos, de 9 anos, teve reação alérgica a medicamento; menino ficou internado no Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos e, depois, foi transferido ao Luzia de Pinho Melo
    Josimara Batista dos Santos/Arquivo Pessoal
    A revolta da família se tornou ainda maior quando descobriram que o profissional, que receitou o medicamento e assina como “neurologista”, não tem a especialidade registrada junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e, portanto, não deveria atuar na área. Agora, Josimara move um processo contra o estabelecimento de saúde e o médico, enquanto tenta retomar uma vida normal ao lado do filho.
    Questionado sobre o caso, o médico Carlos Roberto Reiser enviou uma nota lembrando o artigo 74 do Código de Ética Médica. O texto diz que “é vedado ao médico revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive aos seus pais ou representantes legais”. Pontuou que “todas as condutas tomadas estão de acordo com a literatura médica sobre as doenças acometidas pelo paciente”.
    O médico não respondeu sobre a atuação sem especialidade, mas disse que não autoriza a divulgação de imagens ou informações pessoais. O g1 pediu posição ao centro médico, onde o medicamento foi receitado, e a aguarda retorno.
    “Ele nunca teve alergia de nada. Nunca teve nada parecido. Sempre foi muito saudável. A pele está voltando ao normal, mas ele ainda fica um pouco nervoso, porque não pode ir pra escola ainda”, desabafa a mãe.
    Dificuldade para conseguir atendimento
    A mãe relata que Murilo iniciou um tratamento para epilepsia no Hospital Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes, no segundo semestre de 2022. Depois de dois meses sem crises, ele voltou a convulsionar no início de dezembro. Josimara relata que decidiu ligar na unidade para pedir um encaixe com o médico que o acompanhava.
    Embora o hospital seja de referência e só atenda pacientes que chegam por meio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ou transferidos, ela afirma que sempre conseguiu marcar consultas de urgência, porque o garoto é paciente do setor de neurologia. Apesar disso, não conseguiu atendimento.
    A alternativa foi procurar por uma clínica particular. “A gente pagou a consulta. Eu levei todo o histórico e o médico, que se apresentou como neuro, passou uma medicação de 50 miligramas, com dosagem de um comprimido a cada 12 horas. A gente deu e no dia seguinte a convulsão passou”, relembra a mãe.
    Hospital Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes
    Vinícius Silva/TV Diário
    Quando pensou que o caso estava controlado, viu Murilo enfrentar outro problema. A pele foi tomada por uma alergia intensa. “Achamos que fosse alimentar e levamos pro Hospital Regional de Ferraz. Ele foi internado no dia 5, mas receitaram um antialérgico e ele já saiu no dia seguinte”.
    A família voltou para a clínica no dia 9 e questionou se o medicamento receitado não poderia ser o causador da reação. O médico que os atendeu descartou a possibilidade, mas diminuiu a dose, segundo a mãe. Porém, não adiantou e logo o menino voltou a passar mal.
    “De noite a gente voltou ao Regional. Já era outro médico. Ele viu o Murilo e deu remédio pra convulsão, mas não internou. Na madrugada apareceu outra médica que, quando viu o Murilo, começou a chorar. Ele estava todo empipocado, com febre alta. Ela internou o meu filho na hora”.
    O paciente precisou ser levado para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde foi intubado, enquanto a pele descamava e formava feridas por todo o corpo, inclusive em áreas de mucosa, como a boca.
    Menino foi levado ao Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos durante crise alérgica
    Vinícius Silva/TV Diário
    Como o garoto ainda precisava se consultar com um neurologista, a família insistiu que ele fosse transferido para o Hospital Luzia de Pinho Melo. Lá também recebeu atendimento dermatológico e foi informado de que os machucados na pele haviam sido causados pela dosagem errada do medicamento.
    Preocupada e à espera de um suporte, a mãe tentou entrar em contato com a clínica Mais Saúde, em Itaquaquecetuba, onde foi feito o atendimento. “Eles falaram que não têm nada a ver com isso, que a culpa é do médico. A diretora da clínica mandou eu ler o salmo 30, num tom de deboche, sabe?”, afirma.
    Josimara diz que o filho está melhor. A pele, que descamou quase que no corpo inteiro, está se recuperando. Porém, Murilo agora convive com dores de cabeça e na região dos olhos, que ficaram inflamados por causa da síndrome. “Agora só quero ver ele bem”.
    Menino desenvolveu doença de pele após tomar medicamento indicado por médico que disse ser neurologista, mas não tem registro no CRM na especialidade
    Arquivo Pessoal
    Médico sem especialização
    O g1 apurou com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) que o médico Carlos Roberto Reiser, que atendeu Murilo em uma clínica particular e receitou o medicamento, não tem a especialização cadastrada, embora, segundo a família, se apresente como neurologista. De acordo com o órgão, médicos não podem se intitular como especialistas sem que seu título tenha sido devidamente registrado no conselho.
    “O profissional até pode ter a formação especializada em determinada área, mas ele precisa registrar este título no CRM para que possa se promover como tal, conforme aponta a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n° 1974/11. É por isso que o Conselho sempre reforça ao médico a importância e necessidade de registrar a sua especialização”.
    O Cremesp explicou ainda que, apesar de poder prestar atendimento sem especialidade, desde que se responsabilize pelos seus atos, o médico está impedido de se intitular e/ou divulgar títulos de especialidade que não tenham sido devidamente registrados. Dessa forma, cabe ao ele comunicar a especialidade que possui.
    O que é a Síndrome de Stevens-Johnson
    Segundo informações da dermatologista Laura Serpa, membro titular da SBD, a Síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) é uma reação mucocutânea rara, grave e potencialmente fatal — a taxa de mortalidade é elevada podendo chegar a 30%. É predominantemente causada por medicamentos, que se caracteriza por um descolamento epidérmico.
    “A causa da doença não é completamente conhecida, mas envolve uma interação complexa entre a estrutura molecular de certos medicamentos associada a uma predisposição genética de cada paciente”. Os remédios mais associados são os anti-inflamatórios não esteróides, antibióticos e antiepilépticos. A síndrome ocorre de 7 a 28 dias após o início do medicamento responsável.
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    Sintomas
    As manifestações clínicas clássicas consistem em sintomas iniciais, que se assemelham a uma gripe (febre, dor no corpo e anorexia) e, posteriormente, evoluem para vermelhidão, descolamento da pele e erosões das mucosas bucal, ocular e genital. Essas lesões são usualmente muito dolorosas.
    Tratamento
    O tratamento é multidisciplinar e abrange a suspensão imediata da droga suspeita, transferência do paciente para uma unidade de terapia intensiva e medidas de suporte. Algumas terapias medicamentosas também podem ser realizadas.
    O que diz a Secretaria Saúde
    Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que Murilo foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos, no início de dezembro, sendo assistido com todos os cuidados necessários por equipe multidisciplinar.
    Disse ainda que, após reavaliação médica e estabilização do quadro clínico, foi transferido ao Hospital das Clínicas Luzia de Pinho Melo, com indicação de tratamento ambulatorial e internação em leito de enfermaria infantil
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    Vittorio Rienzo

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