Coluna “Histórias Naturais” traz curiosidades surpreendentes sobre as penas das aves. Até o nosso tradicional edredom tem relação com essa parte do corpo das espécies. Close das penas de arara-canindé.
Guilherme Provenzano Giovanni/Arquivo Pessoal
Muita gente pode achar que as penas têm a função principal de regular a temperatura do corpo das aves. Mas elas têm outras funções surpreendentes que o biólogo do Terra da Gente, Luciano Lima, apresenta na coluna de hoje.
O Carnaval chegou ao fim. Para muitos, os últimos dias foram de festa e animação, enquanto outros preferiram aproveitar o feriado prolongado para descansar. Não importa qual seja seu espírito carnavalesco, se você esteve presente na Sapucaí ou no Anhembi, ou teve contato com o “maior espetáculo da terra” apenas pelas notícias que dominaram a televisão e a internet na última semana, com certeza teve uma coisa que você viu bastante nestes últimos dias penas!
Nas fantasias, adereços ou até mesmo nos carros alegóricos, Carnaval é sinônimo de penas. Mas a utilização de penas como forma de adorno não é algo que teve origem ou se restringe ao Carnaval. Do brinco vendido pelo hippie na praia, aos povos originários ancestrais, a utilização de penas pelos seres humanos para se embelezar é certamente tão diversa e antiga quanto a própria humanidade.
Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente
Arte/TG
Para o povo Mehinako, habitante do Alto Xingu, por exemplo, a relação com as penas como forma de adorno é tão forte que em sua lingua existem duas palavras para se referir a nudez. “Melatutsi” significa estar despido de tudo, enquanto “metalute” significa, literalmente, estar sem penas. Assim como para os povos indígenas e para as musas do carnaval, também para as “donas” originais das penas, uma das suas principais funções é se exibir.
Achamos aves como galo-da-serra, tangará e crejoá lindas, porque esse é o real motivo da coloração chamativa da sua plumagem: serem belas para atrair a atenção das fêmeas. Diversos estudos científicos demonstram que muitas espécies de aves realmente possuem apreciação estética e a beleza ajuda na hora da conquista. Mas desfilar beleza por aí está longe de ser a única função das penas para as aves.
Galo-da-serra é espécie que chama atenção pela cor e formato das penas
Victor Castanho/VC no TG
Já contei aqui no “Histórias Naturais” que as penas não foram uma “invenção” das aves, mas um presente que elas herdaram dos grupos de dinossauros dos quais elas descendem. Uma das hipótese mais aceitas atualmente é que as penas surgiram para auxiliar a regulação da temperatura corporal desses grupos de dinossauros ancestrais das aves, função equivalente ao surgimento dos pelos nos mamíferos.
As penas são tão eficientes para evitar a perda de calor que, mesmo sem saber, talvez você tenha uma prova disso dentro do seu guarda roupa. O seu edredom pode até não ser recheado de penas, mas o nome dele é inspirado nelas. Esse nome esquisito, edredom, é um estrangeirismo vindo do francês “édredon”. Que, por sua vez, tem origem no dinamarquês e significa “plumas do eider”.
Se você ainda não foi apresentado ao eider (Somateria mollissima), ele é uma espécie de pato que vive em regiões frias do Hemisfério Norte. Para proteger os ovos das baixas temperaturas,
Ninho de Eider, nome da espécie serviu de inspiração para o termo edredom
Paul Gierszewski
a fêmea de eider forra seu ninho com uma camada de plumas especiais. A coleta controlada de plumas nos ninhos de eider selvagens para rechear edredons e travesseiros ainda é permitida em algumas regiões, especialmente na Islândia, mas esses objetos são hoje raridades para poucos. Se você quiser comprar um edredom “original” (de solteiro) você terá que desembolsar pelo menos algo em torno de R$ 18.000,00. Isso mesmo, 18 mil reais. O de casal custa cerca de R$ 26.000,00.
Além de embelezar e regular a temperatura das aves atuais, fósseis mostram que mesmo antes das aves surgirem, dinossauros emplumados já utilizavam as penas também para algo que a maioria das pessoas pensa quando escuta a palavra “penas”: voar. Sim, existiram dinossauros voadores com penas que não eram aves, cuidado aqui para não confundir com os famosos pterossauros, que nem dinossauros eram. Diferentes grupos de animais “inventaram” diferentes formas de voar, mas graças graças a leveza, resistência e versatilidade das penas, o voo das aves permitiu que elas se tornassem um dos mais bem sucedidos grupos de animais vertebrados.
Garça-branca-grande apresenta plumagem nupcial
João Neto/ Vc no TG
Mas além de voar, auxiliar no equilíbrio térmico e embelezar as aves, suas penas podem ter ainda uma outra função: camuflagem. A primeira vista, a plumagem branca característica de muitas espécies de garças, como a garça-branca-grande (Ardea alba), pode parecer extremamente chamativa. Mas mudando o ângulo de visão, a história é outra. Do ponto de vista “subaquático” dos peixes, que veem as garças contra o céu claro, o branco das penas das garças faz com que elas se camuflem contra o céu e quando as presas se dão conta do perigo já estão no bico da ave.
Agora que você já sabe por que a garça é branca, termino a coluna de hoje com uma outra questão filosófica natural: Por que o urubu é preto? Não sabe? Conto no próximo “Histórias Naturais”, porque agora eu vou ali assistir a apuração das escolas de samba do Carnaval do Rio… Pernas pra que te quero! Ou melhor, “penas” pra que te quero…
*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente