Magistrado foi executado a tiros, no dia 14 de março de 2003, na saída do Fórum da Comarca de Presidente Prudente (SP). Cinco integrantes de facção criminosa foram condenados pelo caso. Reportagem especial: assassinato do juiz Machado Dias completa 20 anos
Na noite do dia 14 de março de 2003, o juiz Antônio José Machado Dias saiu do Fórum de Presidente Prudente (SP) e, segundo assessores da época, dispensou a escolta policial, que sempre o acompanhava, porque era uma sexta-feira e ele iria direto para casa.
A cerca de 300 metros do Fórum da Comarca de Presidente Prudente, na Rua José Maria Armond, na Vila Roberto, o carro dele foi surpreendido por outros dois veículos. O primeiro disparo dos criminosos atingiu a cabeça do juiz, que fez com que ele perdesse a direção do veículo e batesse contra uma árvore.
Outros três disparos certeiros atingiram o então corregedor dos presídios do Oeste Paulista, aos 47 anos de idade, na cabeça, no braço e no peito.
Foi o primeiro ataque direto executado pelo crime organizado contra uma autoridade do Poder Judiciário no Brasil.
Corpo do juiz Antônio José Machado Dias dentro de seu carro na Rua José Maria Armond, em Presidente Prudente (SP), no dia 14 de março de 2003
Arquivo/TV Fronteira
A Polícia Militar chegou ao local pouco tempo depois e isolou a área. Na cena do crime, foram encontradas três cápsulas de pistola de calibre 9 milímetros, de uso exclusivo do Exército.
Um dos carros utilizados no assassinato foi abandonado a poucos metros do local e, posteriormente, a polícia descobriu que havia sido roubado em São Paulo (SP) e ostentava uma placa fria de Presidente Prudente.
O corpo do magistrado foi levado para o Hospital Universitário, atual Hospital Regional (HR), para necrópsia e, em seguida, velado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Presidente Prudente. Ele foi sepultado na capital paulista, onde nasceu, no Cemitério São Paulo.
Carro furtado em São Paulo (SP) utilizado no assassinato do juiz Antônio José Machado Dias, em Presidente Prudente (SP), em março de 2003
Arquivo/TV Fronteira
‘Ele não respondia mais’
Em 2023, 20 anos depois do assassinato do juiz Antônio José Machado Dias, o g1 voltou ao local onde o magistrado foi executado por integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Na Rua José Maria Armond, já não existe mais a árvore em que o carro do magistrado ficou preso, porém, a reportagem conseguiu conversar com Aparecido de Oliveira Camargo, de 75 anos, que como oficial de Justiça trabalhou com o juiz no Fórum e mora na rua onde tudo aconteceu. Ele também foi uma das primeiras pessoas a ver o corpo de Machado Dias e contou ao g1 as lembranças que tem daquele dia.
“Eu vim. Eu vim, do jeito que eu estava. De short, sem camisa, sem nada. Cheguei aqui e eu vi o carro. Quando eu cheguei aqui, eu já tinha escutado o barulho dos tiros”, relembrou Camargo.
O oficial de Justiça aposentado Aparecido de Oliveira Camargo, de 75 anos
Rodrigo Marinelli/g1
Após sair de sua casa, que fica a cerca de 50 metros da árvore onde o carro do magistrado ficou preso, o aposentado descreveu emocionado as cenas que viu.
“Olhando para o juiz ali, meu amigo, meu amigo. Falei com ele: ‘Machado, Machado’. Ele não respondia mais. Liguei para o Fórum, para a pessoa que me atendeu lá, a funcionária que me atendeu, falei para ela: ‘Olha, o doutor Machado está aqui falecido ao lado da minha casa’. Aí falei para eles: ’Avisa para alguém que estiver aí, algum juiz, promotor, vem aqui’ “, relatou o aposentado ao g1.
Concentração policial próximo ao corpo do juiz Antônio José Machado Dias, no local do crime, em 14 de março de 2003
Arquivo/TV Fronteira
Planejamento criminoso
O juiz Antônio José Machado Dias, chamado carinhosamente por seus amigos como Machadinho, é lembrado como uma pessoa extremamente simpática, sempre sorridente e querida por todos. E é assim que o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que integra o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), se recorda do amigo pessoal e profissional. Ele contou ao g1 como foi todo o planejamento dos criminosos até o assassinato do juiz.
“A facção pretendia cometer um assassinato contra uma autoridade, que esse assassinato tivesse uma repercussão nacional e o juiz Machado Dias tinha uma atuação destacada na área de execução criminal. Ele atuava como juiz de execução criminal em várias unidades prisionais aqui da região de Presidente Prudente, na região oeste do Estado. E, também, eu creio que ele foi escolhido muito pelo fato de atuar nessa área de execução criminal, mas, também, eles verificaram que havia uma vigilância, uma escolta, muito deficiente para o juiz na época”, disse Gakiya.
O promotor relatou ainda que a facção conseguiu executar o crime sem muita dificuldade, pois “pegou o magistrado sem qualquer tipo de escolta”.
“Eles planejaram esse crime com bastante antecedência, tinham criminosos que são profissionais nessa área, que estudaram o local do crime. Inclusive, chegaram a ir até o Fórum, tiveram contato pessoal com o juiz Machado Dias, fizeram vigilância na residência dele para achar o ponto mais vulnerável, que foi o local onde ele foi surpreendido por um veículo que bateu no veículo dele e acabou sendo assassinado”, reforçou o membro do Gaeco.
Promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)
Leonardo Bosisio/g1
Condenações
Cinco pessoas, todas integrantes da facção criminosa, foram condenadas por envolvimento no assassinato do magistrado. Confira abaixo as condenações:
Reinaldo Teixeira dos Santos (Funchal): condenado a 30 anos de prisão por efetuar os disparos que mataram Machado Dias. Atualmente, está preso no sistema penitenciário federal.
Ronaldo Dias (Chocolate): condenado a 20 anos de reclusão por participação no assassinato. Ele era o condutor do carro que interceptou o veículo do juiz. Atualmente, está preso na Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, a P2, em Presidente Venceslau (SP).
João Carlos Rangel Luisi (Johnny): foi condenado a 19 anos de reclusão por participação no homicídio. Deixou o sistema penitenciário paulista em abril de 2015.
Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola) e Júlio César Guedes de Moraes (Julinho Carambola): foram condenados a 29 anos de prisão cada por serem os mandantes intelectuais do crime. Atualmente, ambos estão presos no sistema penitenciário federal.
Já Adilson Daghia, o Ferrugem, está preso na Penitenciária Paulo Luciano Campos, em Avaré (SP), e aguarda julgamento. Ele é acusado de ser o motorista de um veículo que fazia a cobertura dos criminosos que mataram Machado Dias.
Também foi denunciado pelo Ministério Público como mandante do crime Sandro Henrique da Silva Santos, o Gulu. No entanto, ele morreu assassinado na Penitenciária Lindolfo Terçariol Filho, a P2, em Mirandópolis (SP), em 2005, antes do julgamento.
Corpo do juiz Antônio José Machado Dias dentro de seu carro, na Rua José Maria Armond, em Presidente Prudente (SP), em 14 de março de 2003
Arquivo/TV Fronteira
Segundo Gakiya, os familiares dos envolvidos no assassinato do juiz Machado Dias receberam imóveis após o crime e ganham, até hoje, uma pensão vitalícia da facção.
“Um detalhe: eles foram premiados na época pela facção. Cada um deles ganhou um imóvel para sua família e eles recebem uma pensão, por incrível que se pareça, uma pensão vitalícia os familiares recebem por eles terem essa participação e cometido esse assassinato contra o Machado Dias”, reforçou o promotor.
O assassinato do juiz Machado Dias foi um marco para a Justiça brasileira, pois foi o primeiro magistrado morto a mando de uma facção criminosa e, para o promotor Lincoln Gakiya, o crime tem provocado efeitos até os dias atuais com uma parcela do Poder Judiciário preferindo não trabalhar na área criminal, principalmente em casos que envolvam o crime organizado.
O juiz Antônio José Machado Dias atuava como corregedor dos presídios da região de Presidente Prudente (SP)
Arquivo/TV Fronteira
O integrante do Gaeco ainda reforçou a situação pessoal em que ele próprio se encontra: com diversos planos para assassiná-lo e precisando de escolta armada 24 horas por dia. Apesar disso, para ele, a instituição é maior do que o crime organizado.
“Então, eu acredito que, embora gravíssimo, embora tenha causado muita dor, principalmente em nós aqui de Presidente Prudente, que éramos muito próximos do Machado Dias, inclusive amigo pessoal de pescaria, de futebol, de horas de lazer, mas nós temos que pensar que a instituição é maior do que o crime organizado. Então, outras condenações vieram, outras investigações, esses criminosos, sobretudo esses líderes, já foram isolados aqui do Estado de São Paulo e eu creio que o episódio do Machado sirva de lição, em termos de combate ao crime organizado, que é um combate que tem que ser duro, tem que ser eficiente e que não pode parar. Assim como o crime não para nas suas ações, em termos de planejamento, de execução, de atentados. Também nós aqui do Ministério Público, as polícias Civil, Militar, Federal e também a magistratura, nós estamos atentos a tudo isso”, finalizou Gakiya ao g1.
Corpo do juiz Antônio José Machado Dias sendo retirado da Rua José Maria Armond no dia 14 de março de 2003
Arquivo/TV Fronteira
‘Restam a lembrança e os bons exemplos’
Conforme informou o atual juiz diretor do Fórum da Comarca de Presidente Prudente, José Wagner Parrão Molina, ocorreram muitas mudanças na segurança do local após o assassinato de Machado Dias.
O magistrado informou que o Fórum passou a atender ao público por uma só entrada, ou seja, todos os usuários das dependências da repartição entram e saem do prédio pelo mesmo local, que conta com câmeras de segurança “que tudo registram”.
“Também há necessidade de identificação, por meio de documento com foto, na entrada do Fórum, além de informar o motivo da presença no prédio. Outra consequência foi a presença constante de policiais militares no prédio, além de seguranças de empresa particular contratada pelo Tribunal de Justiça”, afirmou Molina ao g1.
Saída de veículos do Fórum de Presidente Prudente (SP), em 2023
Leonardo Bosisio/g1
O diretor também disse que, na época, os juízes receberam inúmeras orientações sobre segurança pessoal, “as quais não há pertinência na divulgação” por uma questão de precaução.
Já sobre os desdobramentos do assassinato de Machado Dias, Molina afirmou que o principal foi o estigma deixado na Justiça em ver uma vida ceifada precocemente pelo crime organizado.
Além disso, após o homicídio, os juízes passaram a ver e tratar o crime organizado também de forma organizada e priorizando o serviço de inteligência no enfrentamento, respeitando o Estado Democrático de Direito.
“Decorridas duas décadas do fatídico episódio, restam a lembrança e os bons exemplos deixados pelo colega Machado Dias, que perdeu a vida no exercício da judicatura honrada e séria”, finalizou o magistrado.
Velório do juiz Antônio José Machado Dias, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Presidente Prudente (SP), em março de 2003
Arquivo/TV Fronteira
Desembargador: ‘Um crime desse tipo ofende de morte a democracia’
Para o desembargador e presidente da Comissão de Segurança Pessoal e de Defesa das Prerrogativas dos Magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), Edison Brandão, o assassinato do juiz Machado Dias serviu para se discutir medidas de segurança direcionadas à magistratura.
Conforme ele explicou ao g1, houve duas discussões mais relevantes sobre o assunto. A primeira foi a do “juiz sem rosto”, uma ideia importada da Itália e que não foi implementada no Brasil. E a segunda foi a discussão sobre sentenças de varas criminais conterem a assinatura de três juízes, ideia que prosperou em alguns estados, mas não em São Paulo.
O magistrado reforçou que a execução de Machado Dias foi o primeiro crime contra uma autoridade do Poder Judiciário nos tempos modernos, motivado pelo próprio crime organizado. Segundo ele, já havia casos de juízes vítimas, porém, com outras motivações.
Brandão relembrou ainda que, após a execução em Presidente Prudente, vieram os crimes contra os juízes Alexandre Martins de Castro Filho, em Vitória (ES), e Patrícia Acioli, em Niterói (RJ).
Para ele, o homicídio de Machado Dias “mostrou a ousadia e o próprio poderio do crime organizado”, que tinha de ser enfrentado de uma forma mais direta.
“Um crime desse tipo ofende de morte a democracia. Se você tem um juiz que pode ser morto pela decisão dele, ou até menos, ser ameaçado por uma decisão, você quebra um dos pilares da democracia que é o Judiciário independente. Esse crime foi terrivelmente triste e grave e até hoje os reflexos são sentidos porque não foi o último, ele foi o primeiro, outros morreram depois e outros ataques ocorreram”, afirmou o desembargador ao g1.
O juiz Antônio José Machado Dias atuava como corregedor dos presídios da região de Presidente Prudente (SP)
Arquivo/TV Fronteira
Detector de metais
O desembargador Edison Brandão também é assessor da presidência da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e explicou a atuação da associação civil após o assassinato do juiz Machado Dias.
Segundo ele, a Apamagis “teve uma ação bastante rápida e efetiva à época”.
“Pedimos ao Tribunal de Justiça de São Paulo a instalação de detector de metais nos fóruns. Depois disso, o TJ-SP passou a contar com uma comissão de segurança que faz um acompanhamento direto com os juízes”, relatou Brandão.
A Apamagis teve origem em 1953 com o propósito de constituir uma entidade beneficente, cuja finalidade seria proporcionar aos seus sócios assistência pessoal e material. Atualmente, segundo o desembargador, é a maior associação estadual de magistrados do Brasil, representando mais de três mil juízes, desembargadores ativos ou inativos e pensionistas em São Paulo.
Vinte anos após o crime, trecho da Rua José Maria Armond, na Vila Roberto, em Presidente Prudente (SP), onde o juiz Antônio José Machado Dias foi executado a tiros
Leonardo Bosisio/g1
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Primeiro ataque do crime organizado a uma autoridade do Poder Judiciário, assassinato do juiz Machado Dias completa 20 anos e ainda choca

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